terça-feira, 20 de junho de 2017

Cabelo cresce e autonomia também

Cabelos tem forte significado na mitologia. Medusa recebeu como punição da deusa Atena ter os belos cabelos transformados em serpentes. Afrodite cobria sua nudez com seus cabelos loiros. A deusa Ísis podia proteger ou devolver à vida usando seu cabelo. Cabelo era poder. E é até hoje.

Outro dia, levei meus filhos para apararem a cabeleira. No carro, deixamos tudo combinado: Bernardo com o seu corte surfista de sempre e Clarice tirando as pontinhas de sempre. De sempre. Zona de conforto. Ao sairmos do carro, minha filha me olha e diz: mãe, estou com uma vontade cortar meu cabelo aqui ó. Esse aqui ó era acima do ombro. Eu, adulta, mãe e dona da situação, nem dei bola para aquele desejo pueril e disse: ah tá, mas você só vai cortar as pontinhas, né? Olha isso, gente. Ignorei mesmo. Acho o cabelo dela maravilhoso, longo, com leves ondulações, faço penteados mil!

 Chegamos ao salão e eu estava mega apertada para fazer number one. Deixei cada filho com um cabeleireiro e fui atender ao chamado da natureza. A porta do banheiro emperrou e eu gastei mais tempo do que o esperado. Era o universo me trolando. Ao sair do banheiro... metade daquele lindo cabelo já estava no chão. Tentei conter meu pavor e manter um sorriso no rosto. E a tesoura da cabeleireira estava frenética. E eu estava arrasada. E a tesoura não parava. E eu tentava manter um sorriso na cara. Cada tesourada era um puta que pariu que eu pensava. Eu era Sansão traído por Dalila.

Foi então que resolvi olhar para minha filha. Ela estava radiante. A cada tesourada o sorriso dela alargava. Os olhos brilhavam. Ela estava se descobrindo com um novo visual, um novo estilo, uma nova fase. O cabelo era dela. A escolha foi dela. Era o direito dela. E eu continuava ali, imóvel, com cara de cera, com vontade de dar na cara da cabeleireira. Então respirei. Cabelo cresce. E olhei para minha filha novamente. Desta vez, olhei para uma pessoa. Sim, às vezes esqueço que meus filhos são seres humanos com vontade própria e que gostam de ser respeitados.

Comecei a viajar naquele tapete de cabelo no chão... Até onde vai o direito de interferência dos pais no direito de escolha dos filhos? Por que eu estava tão arrasada se o cabelo era dela? Se cabelo tem forte significado na mitologia, passou a ter forte significado para mim também. Naquele dia, aprendi sobre escolhas e respeito. Os mitos estão aí para explicar coisas complexas. Filhos estão aí para deixar a vida mais complexa ainda. Pensei em Berenice, mulher de Ptolomeu, que ofereceu sua cabeleira a Afrodite para que o marido voltasse da guerra. A cabeleira desapareceu do templo e um astrônomo da época sugeriu que ela havia se transformado em uma constelação. Hoje olho para o céu, procuro a Cabeleira de Berenice e o que encontro é uma mãe, que em sua pequeneza, quer transformar os filhos em grandes seres humanos.