domingo, 5 de novembro de 2017

Thanatos, o Filho da Noite

Hoje é Dia de Finados. Dia dos Mortos. E eu tenho uma pergunta: você já falou sobre morte com os seus filhos?

Deixa eu quero dividir uma experiência diferente com vocês. Nas últimas férias de julho, fomos passar uma semana em São João del Rei, cidade histórica de MG que faz parte da Estrada Real e fica a 200 km de Belo Horizonte. Eu tenho uma filha de 8 anos e um filho de 5.

Fizemos todos os passeios tradicionais: Maria Fumaça, Centro Histórico, Tiradentes e Bichinho, comidas típicas e, por último, meus filhos me pediram para visitar um... cemitério. Isso mesmo, minha gente, um C-E-M-I-T-É-R-I-O. Eu jamais imaginaria que, em um belo dia da minha vida de mãe, eu levaria meus filhos para fazer um passeio em um lugar desse. Valeu Maurício de Souza! Valeu Turma do Penadinho!

Confesso que não me senti nem um pouco confortável, a princípio. Na Grécia Antiga, o nome de Thanatos, a Morte, era raramente pronunciado. Acreditava-se que era uma ideia desagradável e acordaria esse espírito, trazendo a destruição aos humanos. Como podemos ver, o tabu que envolve a morte é antigo... Fiquei pensando: e se a gente tratasse a morte com mais naturalidade? Afinal, ela é certa e evitar o assunto não faz com que ele não exista. E se a gente tratasse a morte com leveza? Afinal, a morte faz parte da vida. E se a gente falasse desde cedo sobre a morte, teríamos menos tabu com o assunto? Afinal, a qualquer momento ela pode chegar para qualquer um.

Organizei meus pensamentos e fui. Entrei no cemitério cheia de incertezas e com uma única certeza: empoderar meus filhos e dar a eles ferramentas que pudessem levar para a vida toda. Pisamos no cemitério e começou a chuva de perguntas:

- O que é esse asterisco e essa cruz?
- Ano de nascimento e morte.
- Ata. Nossa, esse aqui morreu bem velhinho, hein? E essa aqui também! OLHA MÃE! ESSE AQUI MORREU NO NATAL! ISSO PODE?
- Pode. A gente não escolhe o dia que vai morrer...
- Mãe, piorou: ESSE AQUI MORREU NO DIA DO PRÓPRIO ANIVERSÁRIO! PODE???
- Parece estranho filha, mas pode. A gente não escolhe o dia que vai morrer...
- Mãe, ô mãe... bebê também morre?
- Filho, morre sim. Infelizmente. É por isso que temos tanto cuidado com os bebezinhos! Eles são frágeis...
- Olha esse nome aqui mãe: parece de outro país!!! Você pode morrer fora do país que você nasceu?
- Pode... a gente não escolhe nem o dia e nem o lugar que vai morrer...

De repente, me dei conta da amplitude daquele passeio, das dúvidas que passam na cabecinha das crianças, nos assuntos que não tive a chance de perguntar para meus pais quando eu era pequena e em como eu tive que construir alguns conhecimentos de mundo sozinha. 

Quando nós chegamos a uma parte onde as lápides eram quadradinhos na parede o bicho pegou:

- Mãe, mas COMO cabe alguém aí?
- Bem... aí fica a caixa de ossos.
- Tipo, a gente se desmonta como um quebra-cabeça?
- Hum, hum. E é isso meus filhos.

Naquele momento, nada mais precisou ser dito. De repente minha filha segurou minha mão, meu filho me abraçou... e nós ficamos ali, apreciando a beleza da morte. A morte nos faz lembrar que ainda há muita vida a ser vivida. Até o fim. E a beleza da vida está aí, justamente na caminhada, no dia-a-dia, no beijo de bom dia, no cafuné para dormir, no almoço de domingo, no olhar que encontra apoio, no abraço que tem conforto... enfim, a beleza da vida não está naquilo que a gente junta e sim no amor que a gente espalha.

Depois dessa experiência, falamos sobre o Filho da Noite, Thanatos, com mais naturalidade, leveza e respeito aqui em casa.



Cemitério da Igreja de São Francisco de Assis, São João del Rei - MG, Julho/2017