sábado, 15 de outubro de 2016

Pão com manteiga

Era um simples pão com manteiga todo café da manhã. Na chapa, quentinho, fazendo dupla com o café coado e trio com a companhia à mesa. Chegava a ser aconchegante o prato principal de um
desjejum que se repetia a dois há mais de 30 anos.


O trio desfez-se, não por vontade própria, mas por força do destino. Ficaram o café coado e o pão com manteiga na chapa. Não há mais companhia à mesa. O tempo passou e levou com ele as conversas matinais e o ritual de começar o dia juntos. Sozinha à mesa, ela não tem mais coragem de se entregar ao rito sagrado do casal. Pão com manteiga na chapa, naquela casa, nunca mais.

Todas as vezes que sinto o perfume desse pão, lembro-me dessa história. A história dos meus pais. Lembro-me que a vida pulsa e acontece em cada pedacinho do dia, em cada pedacinho de nós. Lembro-me que a vida é aqui e agora e que devemos comer quantos pães com manteiga nos forem ofertados. Um dia a oferta vai virar lembrança, a lembrança vai virar dor e a dor será a nossa companhia à mesa. E, enquanto este ciclo não se fechar, levanta-te e vá. Simplesmente vá. Vá e distribua amor, seja ele da forma que for, para quem for. Mesmo que seja na forma de um simples pão com manteiga.

Miopia

Já faz muito tempo que eu me descobri míope. Um grau bem leve e por isso nem usava óculos e tinha certeza que estava tudo bem enxergar do jeito que eu enxergava.

Sem perceber, eu selecionava o que queria ver direito e apertava os olhos e, também sem perceber, selecionava o que queria deixar passar e nem fazia esforço. Era um ligar e desligar dos olhinhos apertadinhos automático. Até que cheguei em um limite de passar direto por conhecidos na rua, errar placa de trânsito e dar sinal para ônibus errado: hora de rever essa tal miopia. Foi quando larguei a rebeldia de lado, fui ao oftalmologista e fiz um par de óculos.

Praticamente com uma lupa na cara, pude ver, literalmente, que a miopia é um fenômeno social. A gente olha e enxerga como quer, como gostaria que fosse. A gente sabe que tem algo errado ali, ah, mas deixa pra lá, a gente finge que está tudo bem e segue em frente. No fundo, a gente sabe que pode ver melhor, ah, mas pra quê, desse jeito já está bom. Enxergar a vida tão de pertinho assim pode ser um processo perigoso, que envolve coragem e pré-disposição à dor.

Porque quando apertar os olhinhos sai do automático, você toma as rédeas da sua vida e passa a decidir o que ver e o que não ver de verdade. A miopia deixa de ser social e o que a gente antes fingia que estava bom, tem que ser arrumado para ficar realmente bom. O que a gente enxergava - e fantasiava - como uma certa realidade convencional toma um caminho sem volta na busca pela verdade, nua e crua, como ela é e sempre foi.

Hoje, com meus óculos na cara, deixei de ser míope rebelde mas continuo míope social. A diferença é que o apertar os olhos foi substituído por tirar e colocar uma lupa a minha frente e, a escolha de enxergar ou não as coisas como são, saiu do automático e tornou-se consciente.

Não, eu não uso óculos o tempo todo, porque no fundo, uma pitada de miopia social ainda me faz bem.

Eu e o filtro de barro usado

Ganhei um filtro de barro da minha mãe. É um filtro usado e, talvez, esta seja uma das melhores partes do presente. Minha filha, quero te dar um filtro. Mas quero te dar o meu, ao invés de um novo. E foi assim que a história começou.

Cheguei à casa da minha mãe e observei um filtro novo. Encostei a bolsa e fui tomar meu costumeiro copo d'água. Ela observou calada. Depois, disse: água ruim, né? Filtro novo é assim. Gosto de barro puro! E foi-se. Rindo-se da minha cara de quem pouco entendia sobre filtros de barro. E talvez pouco entendia sobre a vida e seus encantamentos.

Mãe é assim mesmo. Cheia de mistérios escondidos em uma simplicidade única. Fiquei com aquele gosto de barro na boca e com uma certeza no coração: ela havia me dado o filtro usado por amor. Por um amor que tudo quer fazer pelo filho, sentir, doer-se, retorcer-se, amar, trilhar e muitas vezes, poupar.

Ela quis me poupar do gosto desagradável da água barrenta, assim como já quis me poupar de tanta coisa ruim na vida, que nem sei. Só sei que suspiro, sorvendo a água deliciosa do meu filtro velho, sem nenhum traço do gosto de barro, pensando nesse amor tão imenso que é capaz de qualquer coisa. Bebo a água tentando absorver um pouco da experiência de tanta vida vivida por aquela mulher simples e sabida. Bebo a água, sinto-me agradecida por ter provado a água de barro também. Água que representa o novo, o por vir, o bruto e primordial. Depois me recordo do gosto refrescante do velho, do que já veio, do lapidado e derradeiro.

De um lado tenho a vida que virá e do outro a vida que já foi. Quisera eu poder sempre contar com a água límpida em meu caminho, mas não posso... O barro também me molda e por vezes, amada mãezinha, terei sim que enfrentar algum gosto ruim pela vida afora. Sozinha, mas com a certeza de que com o tempo o gosto ruim vai passar e tudo ficará bem. A vida é cheia de encantamentos.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Post 001

Inaugurar um blog novo é uma alegria enorme!

Aqui estamos nós, cheios de sonhos, histórias, dilemas e expectativas! Por falar em expectativa... onde ela fica nessa história de realidade? A expectativa era inaugurar o blog no Dia das Crianças, não deu e passou para o dia 13 e no fim das contas rolou no dia 14.

Com a maternidade é assim também: na nossa cabeça o dia vai correr de um jeito e de repente vem aquela guinada de 180 e não acontece metade da expectativa... sério, gente! Quem nunca? Se identificou? Então fique aqui que te prometo uma maternidade sincera na veia, que tenta equilibrar todos os dias a expectativa com a realidade...