sábado, 15 de outubro de 2016

Eu e o filtro de barro usado

Ganhei um filtro de barro da minha mãe. É um filtro usado e, talvez, esta seja uma das melhores partes do presente. Minha filha, quero te dar um filtro. Mas quero te dar o meu, ao invés de um novo. E foi assim que a história começou.

Cheguei à casa da minha mãe e observei um filtro novo. Encostei a bolsa e fui tomar meu costumeiro copo d'água. Ela observou calada. Depois, disse: água ruim, né? Filtro novo é assim. Gosto de barro puro! E foi-se. Rindo-se da minha cara de quem pouco entendia sobre filtros de barro. E talvez pouco entendia sobre a vida e seus encantamentos.

Mãe é assim mesmo. Cheia de mistérios escondidos em uma simplicidade única. Fiquei com aquele gosto de barro na boca e com uma certeza no coração: ela havia me dado o filtro usado por amor. Por um amor que tudo quer fazer pelo filho, sentir, doer-se, retorcer-se, amar, trilhar e muitas vezes, poupar.

Ela quis me poupar do gosto desagradável da água barrenta, assim como já quis me poupar de tanta coisa ruim na vida, que nem sei. Só sei que suspiro, sorvendo a água deliciosa do meu filtro velho, sem nenhum traço do gosto de barro, pensando nesse amor tão imenso que é capaz de qualquer coisa. Bebo a água tentando absorver um pouco da experiência de tanta vida vivida por aquela mulher simples e sabida. Bebo a água, sinto-me agradecida por ter provado a água de barro também. Água que representa o novo, o por vir, o bruto e primordial. Depois me recordo do gosto refrescante do velho, do que já veio, do lapidado e derradeiro.

De um lado tenho a vida que virá e do outro a vida que já foi. Quisera eu poder sempre contar com a água límpida em meu caminho, mas não posso... O barro também me molda e por vezes, amada mãezinha, terei sim que enfrentar algum gosto ruim pela vida afora. Sozinha, mas com a certeza de que com o tempo o gosto ruim vai passar e tudo ficará bem. A vida é cheia de encantamentos.

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